Por ELIANE PEREIRA

Pense em um produto que é a cara do Brasil. Sandália Havaianas? Sim. Pão de queijo? Também. Guaraná Antarctica? Definitivamente. Lançado há quase cem anos (a serem completados em 2021), o refrigerante acompanhou gerações de consumidores, incorporando-se à alma nativa tanto quanto a música, o futebol e a irreverência pelas quais somos conhecidos mundo afora. Os números comprovam: em termos de participação de mercado e recall de marca, por aqui o Guaraná Antarctica só perde para a Coca-Cola, presente nos quatro cantos do mundo.

Não que a vida esteja fácil no segmento de refrigerantes. Segundo a consultoria Euromonitor, no mercado nacional a categoria registrou queda de 2,6% no consumo em 2018. De fato, entre 2013 e 2018, a participação da bebida caiu de 66% para 53% — espaço ocupado, em boa parte, pela água engarrafada.

“Queremos potencializar tudo aquilo que vem do nosso País”, afirma Daniel Silber, gerente de marketing da marca Guaraná Antarctica

Mesmo na maré vazante, entretanto, a força da marca se faz presente. Na lista das mais fortes com atuação no Brasil, Guaraná Antarctica ocupa o nono lugar, sendo a única marca brasileira entre as top 10. O ranking é um recorte do estudo Marcas Mais Valiosas, elaborado pela empresa de pesquisa Kantar. Poderia argumentar-se que parte desse valor agregado é efeito do brand equity da cerveja, mas as pesquisas mostram que o consumidor distingue perfeitamente que Antarctica é marca de dois produtos diferentes, cerveja e guaraná. Um resultado que exigiu muito investimento em comunicação para ser alcançado e sustentado.

“O Guaraná Antarctica se diferencia pela originalidade, pela brasilidade e por ocupar um lugar único no coração dos brasileiros. É uma marca que representa o melhor do nosso povo, e isso nenhum concorrente pode fazer”, afirma Maysa Oliveira, diretora de atendimento da AlmapBBDO.­ A agência já atendia a cerveja Antarctica e conquistou a conta do guaraná no final de 2018 (antes, estava na F/Nazca Saatchi & Saatchi).

Para Keka, um dos desafios da agência foi achar um ponto de vista diferente sobre brasilidade D
Para Keka, um dos desafios da agência foi achar um ponto de vista diferente sobre brasilidade

A agência desenvolveu um novo posicionamento, “É coisa nossa”, inspirado na canção Cosa Nostra, de Jorge Ben Jor. O cantor gravou uma nova versão da música para a campanha publicitária, cujos filmes exaltam coisas legitimamente brasileiras, como o “x-tudo” (que tem tudo mesmo) ou abraçar alguém que se acabou de conhecer. “Um dos desafios era achar um ponto de vista diferente sobre a brasilidade. Escolhemos o lado criativo, divertido, leve, do nosso povo. É uma abordagem pelo viés do comportamento, mais do que a questão de o fruto ser da Amazônia”, explica Keka Morelle, diretora executiva de criação da AlmapBBDO.

“O brasileiro supera as dificuldades e é muito criativo em seu dia a dia. Com esse posicionamento, queremos potencializar tudo aquilo que vem do nosso País”, complementa Daniel Silber, gerente de marketing da marca. Além da Almap, a conta é atendida pela Snack (conteúdo), In Press (relações públicas) e pela in-house criativa Draftline, da própria Ambev.

Evolução dos slogans publicitários

1970 A senha contra o Boko Moko
1972 Viva mais com Guaraná Antarctica
1974 Seja você mesmo, beba Guaraná Antarctica
1977 Todo mundo tem sede de natureza
1979 Guaraná Antarctica. Meu Brasil brasileiro
1980 Guaraná Antarctica, o brasileirinho
1981 Guaraná Antarctica, eu gosto de você!
1985 Guaraná Antarctica, o pique total!
1988 Todo mundo um dia vira um guaraná
1991 Este é o sabor
1995 O único que conseguiu imitar o sabor do Guaraná Antarctica
(Guaraná Champagne Antarctica Diet)
1996 Uh! Uh! Uh! Guaraná! Antarctica!
1999 Tudo pede Guaraná Antarctica
2002 Seja o que for, seja original
2003 A pedida natural
2005 Guaraná Antarctica e você. Ninguém faz igual
2007 É o que é
2009 Energia que contagia
2010 Dupla energia com sabor natural (Guaraná Antarctica Açaí)
2014 Todo mundo quer! Só a gente tem!
2015 #SeJogaNoEscuro (Guaraná Antarctica Black)
2015 Boralá
2016 De Maués para suas mãos
2017 Sua natureza pede. Boralá
2018 Tudo pela seleção
2019 É coisa nossa

Guaraná raiz

O apelo à alma nacional sempre esteve presente na comunicação do Guaraná, bebida feita do fruto nativo da região amazônica e que começou a ser vendida em 1921. “Nenhum outro mercado teria a mesma identificação com o produto que nós temos. Em outros países, a curiosidade é sobre o sabor exótico da Amazônia. Para nós, não, é sobre o gostinho de casa”, afirma Silber. Atualmente, o Guaraná Antarctica está presente em 70% do mercado de refrigerantes no mundo, em mais de 50 países.

Quando se fala de brasilidade, entretanto, é muito fácil cair no lugar-comum, ainda mais em se tratando de um produto com quase um século de história — e de propaganda. Para Marcelo Nogueira, também diretor executivo de criação da AlmapBBDO, atender um cliente assim é, ao mesmo tempo, uma bênção e um desafio. “Por um lado, a marca já tem um legado fantástico; por outro, não podemos começar do zero, temos que partir do ponto onde ela está.”

Maysa Oliveira e Marcelo Nogueira, diretores da AlmapBBDO: agência buscou a “brasilidade não óbvia” para o novo posicionamento “É coisa nossa”

A solução encontrada foi adotar um ponto de vista original, uma “brasilidade não óbvia”. Assim, a abordagem sobre determinado tema busca sempre a diferenciação, por exemplo, mostrando a seleção feminina para falar de futebol. Ou criando uma “fábrica de memes” para exaltar a criatividade e o bom humor nativos.

A comunicação do Guaraná Antarctica começou o ano com todo o gás. Logo em janeiro foi lançada a campanha de “recall”, convidando os consumidores a trocar uma lata de outra marca de refrigerante sabor guaraná por uma de Antarctica. A iniciativa gerou buzz nas redes sociais, chegando a ser um dos assuntos mais falados no Twitter.

Depois foi a vez de trabalhar com as meninas do futebol — afinal, a marca é patrocinadora da seleção brasileira desde 2001. “Mesmo como patrocinadores de todas as seleções de futebol do Brasil há mais de 18 anos, nunca tínhamos ativado as jogadoras. Então, com um mea-culpa, convocamos outras marcas a entrarem em um movimento de apoio ao futebol feminino”, conta Silber. O chamado surtiu efeito e a causa foi abraçada por Always, DMCard, Downy, Gilette Vênus, Gol, Havaianas, Lay’s, Nescau, Nutren Beauty, O Boticário e Volkswagen Caminhões, além da própria AlmapBBDO.

Campanha “Memearia”, ação digital com o craque do videogame Allejo e campanha pela valorização do futebol feminino (no foto, a atacante Cristiane): comunicação foca o lado divertido do brasileiro
Campanha “Memearia”, ação digital com o craque do videogame Allejo e campanha pela valorização do futebol feminino (no foto, a atacante Cristiane): comunicação foca o lado divertido do brasileiro

Na Copa América, a ideia também foi fugir do óbvio: em vez de chamar um jogador de verdade, a marca usou Allejo, personagem antigo de videogame, que fazia gols impossíveis. Ele assumiu as redes sociais da marca para comentar as partidas da seleção. Torcedores e jogadores foram convidados a ativar o “modo Allejo” e darem tudo de si pelo time.

Sabor digital

No início, a Antarctica posicionou seu “guaraná champagne” como bebida para mulheres e crianças — um complemento de portfólio, já que o carro-chefe da empresa era a cerveja, focada no público masculino. Mas, nos anos 1970, com a concorrência aumentando, a comunicação passou a trabalhar para conquistar o público jovem, com o herói Teobaldo contra o vilão Boko Moko.

Corta para o século 21. A praça pública da juventude agora são as redes sociais e a mídia digital. E é para esse ambiente que a marca vem direcionando boa parte de seus esforços. “Usar as plataformas digitais é entender que não se trata de propaganda, mas de uma bela oportunidade para gerar conteúdo e diá­logo com o consumidor. A partir dessa visão, estamos trabalhando em diversos projetos, como nosso canal no YouTube”, conta Daniel Silber.

No alto, campanha “Recall” convidou público a trocar lata de outra marca de guaraná por uma de Guaraná Antarctica. Acima, filme da ação que apresenta o posicionamento “É coisa nossa”
No alto, campanha “Recall” convidou público a trocar lata de outra marca de guaraná por uma de Guaraná Antarctica. Acima, filme da ação que apresenta o posicionamento “É coisa nossa”

Juntando o suporte digital com o espírito de criatividade e humor, que é a base do posicionamento atual, a marca lançou, no final de julho, a Memearia, uma ­startup virtual que dará R$ 20 mil para o campeão de uma competição de memes. A ação conta com alguns “especialistas” para orientar os participantes, como a anta superdotada (fundadora da Memearia), o lobo-guará (marqueteiro sênior) e o tatu boleto (tesoureiro-chefe).

A mais recente incursão no universo digital foi a participação na Game XP, que atraiu cerca de cem mil visitantes entre os dias 25 e 29 de julho, no Rio de Janeiro. O Guaraná Antarctica esteve presente com três espaços: um com fliperamas clássicos dos anos 1980, outro com uma montanha-russa em realidade virtual e o estande Coisa Nossa, palco para o Gameme Show. A ideia foi fazer um show sobre a cultura memética, baseado nos tradicionais programas de auditório da TV.

Para comandar a brincadeira foram chamados Affonso Solano, Didi Braguinha e Beto Estrada, do Matando Robôs Gigantes, um dos canais de games mais relevantes do Brasil. Eles convidaram outros youtubers e podcasters, além de pessoas da plateia, para participar de quadros como “Qual é o Meme?” e “Arquivo Confimemeal”. O programa foi transmitido ao vivo no canal Coisa Nossa, no YouTube.

“No mundo inteiro, refrigerante é uma coisa americana. Aqui, temos um refrigerante brasileiro, feito com fruta nativa. Uma marca enorme, superimportante. É um orgulho para o País”, avalia Marcelo Nogueira, da AlmapBBDO. Alguém discorda?

O sabor local da propaganda

Antes de aterrissar na AlmapBBDO, a conta do Guaraná Antarctica ficou por três anos na carteira da F/Nazca Saatchi & Satchi. Entre outros trabalhos marcantes, a agência fez toda a comunicação da marca para a Copa da Rússia, em 2018. A campanha “Tudo pela seleção” começou de maneira inusitada: a suspensão, por alguns dias, da exportação do refrigerante para 18 países que participariam do torneio. A ideia era tirar dos adversários a chance de provar o sabor e a força do Brasil.

Depois veio a Latinha Olé, uma embalagem sem o lacre de abertura, para dar um “olé” nos adversários. O produto foi distribuído para influenciadores fazerem brincadeiras nas redes sociais. A campanha seguia o posicionamento “Tudo pede Guaraná”, adotado em 2017. No lançamento do novo slogan, os comerciais convidavam a combinar o sabor da bebida com bons momentos da vida. Entre eles, saborear guaraná com pipoca, resgatando aquele que é um dos jingles mais celebrados da publicidade brasileira, “Pipoca com Guaraná”, de 1991.

O jingle já havia retornado, em 2009, na voz de Claudia Leitte, em comercial assinado pela DM9DDB. A conta da marca de refrigerante de guaraná foi uma das primeiras conquistadas pela agência na época de sua inauguração, no final dos anos 1980, e voltaria à casa entre 2007 e 2015. É dessa fase a primeira campanha institucional da marca, com o mote “É o que é”, que visava associar o refrigerante à ideia de ser autêntico e verdadeiro.
Outra ação de peso assinada pela DM9DDB foi o lançamento do Guaraná Black (com açaí e frutas da Amazônia), que juntou pela primeira vez Neymar Jr. e Gabriel Medina (campeão mundial de surfe). A última campanha da agência criada para o refrigerante foi “Boralá”, conceito que incentivava as pessoas a assumir o protagonismo de sua história e viver experiências inesquecíveis.

Túnel do tempo

Nos anos 1920, quando o Guaraná Champagne chegou ao mercado, o Brasil ensaiava um novo olhar sobre si mesmo, mesclando o genuinamente nacional com a modernidade que vinha de fora. A partir da década de 1950, pressionada pelo crescimento da Coca-Cola, a marca passaria a valorizar a condição de produto feito com fruto nativo, originário da Amazônia.

Foram usadas técnicas que só anos depois seriam mais amplamente adotadas pela criação publicitária, como o anúncio de oportunidade. Por exemplo, em 1958, logo após a primeira conquista da seleção brasileira na Copa do Mundo da Suécia, o pinguim-mascote do Guaraná Antarctica apareceu em um anúncio segurando a taça em uma das mãos e o refrigerante na outra, sob o título “Vice agora são os outros”.

Nos anos 1960, a propaganda seria direcionada ao público familiar. Anúncios com ilustrações em cores fortes promoviam a bebida que era “a alegria de toda a garotada” e “indispensável em todas as festas”. Deu certo, só que, ao final da década, pesquisas de mercado apontavam que o produto estava associado a crianças e idosos.

Coube à Almap, que detinha a conta, achar um jeito de atrair novamente a juventude. A solução foi criar um personagem jovem, que gostava de guaraná, mas tinha medo e vergonha de pedir, porque era considerado refrigerante de “gente quadrada”. Surgia assim Teobaldo, interpretado pelo ator Roberto Marquis. O primeiro comercial foi ao ar em 1970 e fez tanto sucesso que, em três meses, o Guaraná Antarctica voltaria ao topo das vendas.

Vai e volta

Três momentos marcantes da história do produto nos anos 1980 e 1990 foram o lançamento da versão em garrafa de vidro de 290 ml (que acabaria se tornando símbolo da marca), o já mencionado comercial “Pipoca com Guaraná” e o anúncio “Umbigo”, do Guaraná Antarctica Diet, que deu ao Brasil seu primeiro Grand Prix no Festival de Cannes na categoria mídia impressa.

Em 1999, o mercado seria pego de surpresa com o anúncio da fusão entre Brahma e Antarctica, formando a Ambev, quinta maior empresa de bebidas do mundo. A essa altura, a palavra champagne já havia saído de cena. A conta, que vinha sendo atendida parcialmente pela NBS, foi concentrada na Duda Propaganda, em 2004. É dessa fase um dos mais divertidos filmes da marca, “Pesadelo”, no qual o craque argentino Maradona fica apavorado ao acordar de um sonho em que canta o hino nacional brasileiro perfilado entre os outros jogadores da seleção canarinho. Em 2007, a conta voltou para a DM9DDB. O resto a gente já sabe.

TEOBALDO CONTRA O BOKO MOKO

teobaldo_423x327

Nos anos 1970, a expressão “boko moko” caiu no gosto popular graças aos comerciais estrelados por Teobaldo. Com o sucesso do personagem como um anti-herói, criou-se para ele um arqui-inimigo, o tal Boko Moko. A expressão, inventada por Sérgio de Andrade (o Arapuã), era usada para classificar quem estava por fora da onda, quer dizer, quem não tomava Guaraná Antártica.

O JINGLE QUE FEZ A MARCA PIPOCAR DE ALEGRIA

pipoca-com-guarana_423x316

Criado em 1991 pela DM9DDB, o comercial “Pipoca com Guaraná” não tinha nada de mais: eram apenas cenas do milho estourando e do refrigerante gelado. Mas a trilha sonora entraria para a história da publicidade. O jingle é do músico César Brunetti, a partir do briefing de Nizan Guanaes, autor da ideia de combinar o refrigerante com algum tipo de petisco. A campanha era composta por dois outros filmes, “Pizza” e “Sanduba”, mas que foram ofuscados pela pipoca.

UMBIGO DE CANNES

Umbigo_423x283

A categoria mídia impressa sempre foi aquela em que o Brasil se deu melhor no Cannes Lions. Mas o primeiro Grand Prix a gente nunca esquece. A glória foi conquistada em 1993, pela DM9DDB, com o anúncio “Umbigo”, para o Guaraná Antarctica Diet. Assinada por Marcello Serpa e Nizan Guanaes, a peça é um caso clássico em que a imagem vale mais do que mil palavras.

Publicidade