Oi, eu sou o Baby, da Telesp Celular”. Quem tem mais de 30 anos deve se lembrar da campanha estrelada por um bebê fofinho, mais esperto que as outras crianças, que não dava trabalho e com quem era fácil de se comunicar. Criada pela Fischer América, a ação pretendia não só lançar um novo produto e mostrar suas vantagens, mas ensinar os brasileiros a usá-lo: o celular pré-pago.
Era 1998 e a Portugal Telecom (PT) tinha acabado de comprar a divisão de telefonia móvel da Telesp, no processo de privatização das telecomunicações promovido pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Depois de dar uma arrumada na casa, os portugueses não perderam tempo: de olho no enorme contingente de pessoas sem acesso a um produto caro como o telefone móvel, a PT trouxe para o Brasil um modelo criado por ela em 1995. No novo sistema, os usuários compravam créditos antecipadamente para fazer ligações e assim podiam controlar seus gastos, já que não havia cobrança mensal nem pagamento de assinatura.
O Baby Celular pode ser considerado o primeiro case de sucesso daquela que viria a se tornar a maior empresa de telecomunicações do Brasil e joia da coroa do grupo Telefónica — o mesmo que, em 1998, ficou com a parte de telefonia fixa da Telesp. Em 2001, os espanhóis da Telefónica e os portugueses da PT firmaram uma joint-venture e, em 2003, lançaram a marca comercial da nova empresa: Vivo.
Quatorze anos depois, a marca é uma das dez mais valiosas do Brasil, segundo a Interbrand (aparece em nono lugar, avaliada em R$ 2,4 bilhões). No ranking BrandZ, da Kantar, ela ocupa a 12ª posição, com valor de US$ 775 milhões, e é a única do setor de telecomunicações entre as 60 listadas. Chegar nesse ponto não custa barato: no ano passado, a Telefônica investiu R$ 396 milhões em publicidade e foi o oitavo maior anunciante do mercado brasileiro, segundo o ranking Agências & Anunciantes.
Só em telefonia móvel, a Vivo conta com 74 milhões de acessos, e na banda larga fixa, 4,1 milhões. “Usamos propaganda não para trazer mais clientes, e sim para construir a marca”, garante o vice-presidente de B2C da empresa, Marcio Fabbris. “Vivo é referência por ser conhecida nacionalmente, é top of mind em todo o Brasil. Isso é fruto de anos reforçando o conceito de atitude positiva”, completa.
Todos por um
A marca foi construída do zero (nome e logo são criação da inglesa Wolff Olins) e encarou três momentos decisivos: o lançamento, resultado da associação entre PT e Telefônica; a passagem do controle para os espanhóis, que compraram a parte dos portugueses, em 2012; e a fusão com a GVT, em 2015. Nesse momento, quando a empresa finalmente conseguiu oferecer telefonia fixa e móvel, banda larga e TV por assinatura em todo o país, optou-se por reforçar a marca Vivo.
Podia ter sido diferente. A Telefônica tem três marcas comerciais: Vivo, no Brasil; Movistar, no resto da América Latina; e O2, na Europa. Volta e meia ressurge a discussão sobre a conveniência de se adotar uma marca global, mas não se cogita abrir mão de Vivo. Até porque o trabalho de comunicação feito no Brasil é referência para outros mercados em que a multinacional atua.
Um trabalho gigantesco, dividido entre três agências: Africa, DPZ&T e Y&R, além de Wunderman e Cadastra, que cuidam da parte digital. A DM9DDB chegou a atender o cliente, assinando várias ações durante a Copa do Mundo de 2014 (a Vivo patrocina a seleção brasileira). Mas acabou ficando de fora na concorrência promovida em 2015, com a chegada de Amos Genish à presidência, após a fusão com a GVT (da qual era cofundador).
A divisão da conta entre as agências já foi mais rigorosa. Hoje não existe separação formal e os jobs são distribuídos segundo a experiência de cada uma com determinadas áreas ou pelas melhores ideias. São campanhas para Vivo Fixo, Vivo Fibra (fibra ótica), aplicativo Meu Vivo, celular pré-pago e pós-pago, 4G, campanhas cooperadas com fabricantes, comunicação corporativa e Fundação Telefônica.
A estratégia de comunicação passa ao largo da guerra de preços, buscando reforçar atributos como qualidade, cobertura e atendimento diferenciado nas lojas. Para Fabbris, atualmente se leva em conta mais a qualidade do que o preço na hora de escolher uma operadora. “Os clientes estão carentes de um bom serviço e valorizam mais as vantagens da experiência como um todo”, acredita.
Tudo ao mesmo tempo
A Telefônica não usa uma marca global, mas, no ano passado, resolveu adotar o mesmo slogan para todas as suas operações. O mote internacional, “Elige Todo”, foi adaptado para o Brasil como “Viva Tudo”. Estreou em abril de 2016, com o filme “Traduções”, assinado pela Y&R e tendo como trilha sonora a canção “Somewhere only we konw”.
O comercial mostrava situações reais pelo viés das expressões utilizadas na esfera digital — por exemplo, “fazer download” (cena de um rapaz mergulhando no mar), “abrir janela” (aparece um garotinho sem um dos dentes da frente) ou “refreshing” (crianças brincando na chuva) — e a assinatura “Viver é a melhor conexão”. O objetivo era apresentar uma empresa completa, presente em todo o Brasil com ofertas em telefonia fixa e móvel, banda larga, TV por assinatura, aplicativos e serviços digitais.
O conceito “Menos do Mesmo”, adotado este ano, é uma evolução do “Viva Tudo” e se materializou graças ao trabalho integrado das três agências, junto com a consultoria Box1824. “Queremos mostrar que conexão é importante, mas que existe vida além do celular”, resume Fabbris.
A ideia é estimular as pessoas a “saírem da bolha” criada pelos algoritmos que reforçam o que elas já pensam e gostam. A conectividade pode abrir portas a novas experiências, descobertas, caminhos, interesses. “Procuramos incentivar todo mundo a abrir a cabeça para o novo”, define o CCO da DPZ&T, Rafael Urenha.
A campanha segue o posicionamento estratégico que sempre direcionou a comunicação da marca: foco no aspiracional, no storytelling, e não em preço ou promoção. A postura adotada vai no sentido de fazer parte das discussões contemporâneas de comportamento, relacionamento, atitude. Tanto que a Vivo não se esquiva de tocar em temas pouco abordados em publicidade, como desemprego ou divórcio.
Como líder de mercado, a marca tem o papel de levantar a discussão sobre qualidade, e não quantidade, defende Urenha. “A conexão evolui mais do que nunca e o celular faz parte do dia a dia, da hora de acordar até a de dormir. A ideia é contar histórias verdadeiras e o impacto que a Vivo tem na vida das pessoas. Por isso a marca se tornou um anunciante tão relevante nos últimos 15 anos. Temos inspirações reais e queremos beber dessa fonte”, entusiasma-se o CCO da DPZ&T.
Ruivo, loura, morena
A empresa se destaca em relação à concorrência por trabalhar mais o conceito de marca do que a questão do custo/ benefício, mas nem por isso deixa de anunciar para vender. “Aprendemos, ao longo do tempo, a usar a comunicação varejista em canais mais adequados a esse lado promocional”, explica Fabbris. Assim, a divulgação dos produtos na mídia, mesmo que tenha intenção vendedora, sempre apresenta um aspecto posicional.
É o caso do Vivo Fibra (acesso à internet em ultravelocidade), apresentado num comercial no qual uma garotinha, que não quer ficar restrita ao balé, aprende kung fu pela internet. No Dia dos Namorados, a mensagem era desligar o celular, viver mais o amor e menos o resto. Outro exemplo foi a campanha do Ruivo, o garoto com jeito inocente que anunciava as vantagens do pré-pago da Vivo. Ela começou de maneira despretensiosa, em um comercial estrelado por Grazi Massafera, e acabou ficando no ar por quase três anos (veja o quadro “Ruivo tira sarro de celebridades”).
Na mesma linha, “Pega Bem”, lançada no final de 2013 para destacar a qualidade do sinal da Vivo, evoluiu de tal forma que o conceito foi expandido para várias situações e comportamentos considerados positivos. A ação ganhou contornos de comunicação institucional e só foi substituída com o lançamento do posicionamento global, em 2016.
A Vivo foi ainda uma das primeiras a usar youtubers na mídia de massa, em 2015, para divulgar o Vivo Turbo 4G. Gabie Fernandes e Thalita Meneghi (do Depois das Onze), JoutJout, Japa e Cellbit protagonizaram os comerciais. Nos filmes, eles atuavam de forma parecida à que adotam em seus próprios canais na internet — que, juntos, somavam então mais de 8,7 milhões de seguidores.
Como o público mais velho não conhecia aquela garotada, Ivete Sangalo foi convocada para interagir com os youtubers nas campanhas seguintes. Mas a ação que pode ser considerada a mais impactante até hoje foi mesmo a de lançamento da empresa, uma megaoperação que incluiu até mesmo entradas ao vivo na programação da Globo (veja o quadro “Ao vivo para todo o Brasil”).
Resumindo o zeitgeist predominante, as pessoas estão interessadas naquilo que vai melhorar suas vidas e vão amar as marcas que forem relevantes para elas, analisa o diretor geral de atendimento da Y&R, Leo Balbi. Na sua opinião, Vivo e Itaú foram as empresas que mais fortaleceram seus negócios por meio do branding na última década. “No nosso plano para 2020, digo que temos o corpo — a rede, os canais de atendimento — e a alma, que é a marca. Uma empresa sem marca é uma empresa sem alma”, conclui Fabbris.
Ao vivo para todo o Brasil
No dia 12 de abril de 2003, teasers na programação de TV aguçavam a curiosidade: “Vem aí a maior operadora de celular do Brasil. Amanhã, não vai se falar em outra coisa”. No dia seguinte, Africa e Vivo desencadearam uma megaoperação para divulgar a nova empresa, com shows e eventos em vários estados, campanha na mídia, nova identidade visual e diversas iniciativas que, rapidamente, tornaram a marca e o ícone (o bonequinho estilizado, apelidado internamente de Vivinho) conhecidos dos brasileiros.
Em valores da época, foram investidos R$ 43,5 milhões, sendo cerca de R$ 20 milhões só em publicidade. O lançamento foi feito em real time na Globo, com artistas fazendo entradas ao vivo, no Domingão do Faustão, para mostrar a festa nas diversas praças atendidas pela operadora. A música do filme de lançamento, “Mantra”, foi composta especialmente para a Vivo.
O slogan “Você em primeiro lugar” é lembrado até hoje. Comerciais na TV, spots de rádio e anúncios em mídia impressa e na internet apresentavam a nova empresa e explicavam que a mudança de nome não interferia na parte operacional. Em dois meses a marca virou top of mind, chegando a 64% de lembrança de publicidade. E o Brasil ganhou um concorrente de peso no setor de telecomunicações.
Relacionamento que pega bem
A relação da DPZ&T com o anunciante é uma das mais antigas do mercado. A Telesp, precursora da Vivo, era cliente da DPZ desde 1978. Um dos comerciais mais famosos da publicidade brasileira, “A morte do orelhão”, foi criado pela agência em 1980, para conscientizar o público sobre a depredação dos telefones públicos em São Paulo.
Em maio de 2015 o grupo Publicis anunciou a fusão de duas de suas agências no Brasil, DPZ e Taterka, resultando na formação da DPZ&T. Logo depois a Telefónica, numa decisão global, resolveu rever suas parcerias. Um dos grandes movimentos da agência pós-fusão foi exatamente a concorrência de Vivo, da qual saiu vencedora, junto com Africa e Y&R.
“A DPZ&T virou uma agência mais estruturada, o time criativo é o dobro do que era antes e temos uma equipe maior atendendo o cliente”, afirma o CCO, Rafael Urenha, ele mesmo um especialista no assunto, pois acompanha a conta há 20 anos, desde os tempos da Telesp Celular.
Um dos trabalhos mais bem-sucedidos da agência para a operadora foi o “Pega Bem”, mote lançado em 2013 para enfatizar a qualidade do sinal. A ideia era apenas falar de performance, mas o traço de modernidade conquistou o público jovem. O briefing era para uma campanha de produto, mas, graças ao formato e à popularidade, ela adquiriu caráter institucional e gerou vários desdobramentos, até ser substituída pelo “Vivo Tudo”, em 2016.
“Pega Bem” nasceu junto com a explosão das redes sociais e moldou a comunicação da empresa, dando uma postura de marca mais contemporânea e jovem. Para Urenha, o que a tornou especial foi a hashtag #pegabem, usada tanto em termos de conexão quanto para indicar coisas positivas e desejáveis. “A transformação que a telefonia móvel provoca na vida das pessoas tem sido a grande inspiração da comunicação da Vivo”, resume o executivo.
Ruivo tira sarro de celebridades
Tanto quanto Africa e DPZ&T, a Y&R está com a Vivo desde o início, em 2003. A agência participou do relançamento quando a Telefônica assumiu toda a operação, em 2012, e pilotou a estreia do novo posicionamento global, “Vivo Tudo”, no ano passado. O que prova que é mesmo tênue a linha divisória entre as atribuições das agências, pois a Y&R atende preferencialmente o pré-pago, mas ganhou o job para produzir uma importante ação institucional.
Entretanto, foi a comunicação do plano Vivo Sempre que deu origem a uma das séries de comercias mais lembradas da operadora, as do personagem Ruivo. No primeiro filme, o objetivo era divulgar que as ligações pelo sistema pré-pago da Vivo custavam apenas R$ 0,05. E é discando para vários números que ele finalmente descobre o celular da atriz Grazi Massafera, de quem é fã.
O público gostou e o personagem (interpretado pelo ator João Côrtes) continuou no ar, interagindo com celebridades como Sabrina Sato, Marina Ruy Barbosa e Luiz Felipe Scolari. Na temporada 2015, famosos foram convencidos a admitir as brincadeiras que se fazia a seu respeito e encarar comentários irônicos do Ruivo. O rapaz emprestava o celular a Rubens Barrichello, que tinha um aparelho com internet lenta, e a Fábio Jr., que tentava, tentava, mas não conseguia conexão (em alusão a seus vários casamentos). “Com o Ruivo criamos um fenômeno popular que há tempos não se via na propaganda e que teve impacto nos negócios”, comenta o diretor geral de atendimento da Y&R, Leo Balbi.
Encerrada aquela fase, a Vivo queria mostrar que estava antenada no universo digital e chamou youtubers bem conhecidos pelos jovens. Como especialistas em internet, eles recomendavam os serviços da operadora. Há dois anos, Ivete Sangalo vem interagindo com os garotos, para atrair o público mais velho. “A Vivo vem adotando uma postura de trazer utilidade para a vida das pessoas. É um novo jeito de encarar construção de marca”, acredita Balbi.
Comunicação como nenhuma outra
Em dezembro de 2002, quando foi lançada, a Africa tinha três clientes, um dos quais, a Vivo (os outros eram Itaú e Assolan). Logo de cara, a agência foi incumbida de fazer o lançamento da nova operadora de telefonia celular, uma ação grandiosa na qual foram investidos R$ 20 milhões só em publicidade. Foi o primeiro de vários cases memoráveis para o cliente.
A apresentação da Vivo aos brasileiros, em 2003, foi antecedida por um teaser na TV. Mesmo artifício adotado em 2005, usando celebridades como Gisele Bündchen, Ed Motta, Henry Castelli e Carolina Dieckmann para o lançamento do pacote de serviços multimídia de terceira geração, Vivo Play 3G, a bordo do slogan “O novo mundo é play”.
Em 2007, a operadora substituiu a tecnologia de transmissão CDMA pela GSM, mais moderna e segura. Para anunciar a novidade a Africa criou o conceito “Sinal de qualidade” e escalou a jornalista Marília Gabriela para protagonizar o primeiro filme da campanha.
Dois anos depois, a rápida evolução do setor motivou a Vivo a se reposicionar, destacando o papel que a telefonia móvel passava a desempenhar no dia a dia. “Em 2009, o celular já estava transformando a vida dos brasileiros, e a Vivo foi a primeira a dizer isso. A ideia era mostrar que, por meio da conexão, as pessoas podiam ampliar seus horizontes”, lembra o diretor geral de atendimento da conta da Vivo na Africa, PC Freitas.
Quando a Telefônica comprou a parte da PT na empresa, em 2012, promoveu-se um “relançamento” da marca, com o conceito “Conectados vivemos melhor”. O filme de 2003 foi resgatado numa releitura em formato de animação, trazendo a linguagem digital para a TV. O trabalho mais recente é a campanha “Menos do mesmo”, um convite para que as pessoas saiam da zona de conforto e experimentem coisas novas. “A Vivo trabalha mais a marca e o custo/ benefício, por isso se destaca em relação à concorrência”, diz Freitas.