Se Ibope é sinônimo de audiência, e Xerox, de fotocópia, Brahma é equivalente a cerveja. Está no dicionário de termos populares. Em São Paulo, “breja” é gíria para a bebida – e alguns dizem que surgiu quando alguém “shippou” Brahma e cerveja (muito antes de inventarem essa história de juntar duas palavras numa coisa só).
Esse reconhecimento tem valor, e em dinheiro: a marca é a terceira mais valiosa do Brasil (atrás de Skol e Bradesco), avaliada em US$ 4,38 bilhões, segundo o ranking anual BrandZ Brasil, da Kantar Vermeer e Kantar Millward Brown. No ranking da Interbrand, aparece em quarto lugar, avaliada em R$ 10,7 bilhões.
Parte desse resultado está ligada ao histórico da marca, uma das mais longevas do mercado nacional – em 2018 vai comemorar 130 anos. Mas o grande trunfo de Brahma, em 13 décadas, foi mesmo a propaganda.
“Sem Brahma não dá”, “A número 1”, “Refresca até Pensamento”, “Brahma, todo mundo ama” são apenas alguns dos slogans que ficaram na memória dos brasileiros. A empresa investe em divulgação desde seus primórdios, quando ainda era Companhia Cervejaria Brahma.
A marchinha Chopp em garrafa, composta em 1934 por Ary Barroso e Bastos Tigre (e cantada por Orlando Silva), é considerada o primeiro jingle da publicidade brasileira. Foi criada para anunciar uma novidade, a cerveja em garrafa de vidro. Uma grande sacada para a época, pois até então a bebida só era vendida em barris de madeira. Com a garrafa, os foliões podiam levar a cerveja na mão enquanto brincavam o Carnaval pelas ruas da cidade.
“A publicidade é um dos nossos braços mais fortes. Brahma sempre retratou as paixões dos brasileiros, como Carnaval e futebol. Paixão cervejeira é o grande tema do momento”, conta o diretor de marketing de Brahma, Pedro Adamy. História, portfólio de produtos e conhecimento do processo de fabricação são os três pilares da atual fase de comunicação da marca.
Tradição resgatada
Depois do intenso esforço de comunicação para a Copa do Mundo do Brasil, em 2014, Brahma mudou o rumo, explica Adamy, para falar sobre o próprio produto, já de olho nas comemorações dos 130 anos. Em 2016, a campanha trouxe a assinatura “Cerveja é assim que se faz”, como forma de resgatar a identidade da marca, aquilo que faz Brahma ser a cerveja que é.
O plano é reforçar a percepção de produto de qualidade. Nessa linha, este ano a comunicação quer passar a ideia de merecimento, de que quando a pessoa se sente orgulhosa de uma conquista ou feliz por um desejo realizado, ela merece uma cerveja superior. Assim, “Quando você se sente, isso pede Brahma”. Essa é a diretriz em 2017, criada pela Africa para enfatizar a qualidade e a expertise cervejeira de Brahma.
Responsável por toda a comunicação da marca — estratégia, desenvolvimento da comunicação online e off-line, ativação em eventos — a Africa atende a conta praticamente desde que a agência foi fundada. Nos últimos 13 anos, esteve à frente de ações de grande repercussão, como quando “roubou” de volta o cantor Zeca Pagodinho, que havia assinado contrato com a concorrente Nova Schin. Foi também a Africa que criou o termo ‘brahmeiro’ e pilotou o projeto Copa do Mundo 2014, com o mote “Imagina a festa”. A marca era uma das patrocinadoras do torneio e também da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
“A ‘número 1’ foi algo muito forte, sinal de uma marca grande, poderosa. Ao longo do tempo, a Brahma foi se aproximando das pessoas com a história de brasilidade, do ‘brahmeiro’, do Zeca Pagodinho. Mas o mercado de cerveja mudou com a chegada das premium, que puxaram o critério para cima. Agora as pessoas querem uma cerveja melhor”, analisa Carolina Boccia, diretora geral de atendimento da conta na Africa.
A eterna número 1
Não dá para escapar: quando se fala em Brahma, é impossível não pensar na “número 1”, uma das campanhas mais memoráveis da propaganda brasileira dos últimos 30 anos. A assinatura, representada por um gesto simples (o dedo indicador levantado, como quem pede “mais uma” no bar), surgiu em 1991, quando a Fischer América ganhou a conta da cerveja. Ela veio para substituir o antigo “Produto de Qualidade” e se tornou um fenômeno que ficou no ar pelos oito anos seguintes. Um dos episódios mais geniais dessa jornada aconteceu na Copa do Mundo de 1994, quando a marca apareceu mais que os patrocinadores oficiais do evento – um exemplo perfeito e acabado de marketing de guerrilha.
Em julho de 1999, o mercado foi surpreendido com a notícia da fusão entre os dois principais concorrentes do setor cervejeiro, Brahma e Antarctica, movimento que resultou na formação da AmBev, ou Companhia de Bebida das Américas. E a conta mudou de agência. Superar uma campanha com o apelo popular da número 1 era um desafio e tanto. E quem o encarou foi a F/Nazca, que na época já fazia um bom trabalho para Skol.
Na primeira campanha o bordão era, na verdade, um som: “Tsssss”, imitando o ruído de uma latinha sendo aberta. Foi um bom começo, mas o slogan seguinte, “Refresca até pensamento”, fez muito mais sucesso e continuou a ser usado por um bom tempo.
A guinada na linha de comunicação aconteceu mesmo no verão de 2000, quando estrearam os “siris da Brahma”. Produzidos em computação gráfica, os bichinhos roubavam a cerveja de um banhista na praia e ainda debochavam dele mostrando o traseiro e cantando “nãnãnãnã”.
Na esteira do sucesso dos siris, em 2001 a garota propaganda criada pela agência (também em animação) foi uma tartaruga, que no filme para TV batia bola com o craque Denilson e adorava cerveja. O comercial quebrou recordes de lembrança e preferência do público e a tartaruga acabou virando mascote de Brahma na Copa do Mundo de 2002, quando a empresa comprou uma cota de patrocínio da transmissão da Globo. Além da campanha na televisão, produtos licenciados como bonés, copos e camisetas traziam a imagem da mascote.
Em outra tacada ousada, no ano de 2004 a AmBev se uniu à belga Interbrew para formar a maior cervejaria do mundo, a Inbev. E a conta mudou de mãos novamente, aterrissando na recém-criada Africa – que já começou fazendo barulho, ao contratar o cantor Zeca Pagodinho, então garoto propaganda da concorrente Nova Schin.
Folia, futebol e sertanejo
Pouca gente sabe, mas a primeira fábrica da Brahma, no Rio de Janeiro, ficava na rua onde anos depois seria construído o Sambódromo. A ligação de Brahma com o Carnaval, portanto, vem de longe. Nessa linha, a iniciativa mais vistosa é o Camarote da Brahma, que a partir de 1991 se tornou o ponto de encontro das celebridades no carnaval carioca. Roberto Carlos, Silvio Santos, Xuxa, Arnold Schwarzenegger, Maradona, Quincy Jones e até a popstar Madonna deram o ar da sua graça no espaço mais VIP do carnaval carioca. O patrocínio do camarote foi encerrado em 2015.
A marca também tem uma relação forte com o futebol, patrocinando clubes, comprando cotas de transmissão na TV e promovendo o Movimento Por um Futebol Melhor, lançado em 2013. No digital, a plataforma Brahma Futebol acompanha os campeonatos em andamento, traz informações sobre os times, abre espaço para a participação dos torcedores e fala até de futebol de várzea.
Outra frente prioritária para a marca é o universo sertanejo, também explorado no online por meio da hashtag #SRTNJ. Presente há três décadas nos principais rodeios do País, a Brahma chegou com novidade este ano, uma carreta itinerante que serve como palco para shows e experiências gastronômicas, sempre acompanhadas de algum dos produtos do portfólio ‘brahmeiro’. A criação e o gerenciamento da plataforma online sertaneja e do futebol está a cargo da divisão de branded content da Vice Brasil.
Os canais digitais aproximam a marca do público jovem e fazem com que marque presença nas ocasiões em que se consome a bebida. “Brahma acredita e investe a longo prazo nessas plataformas. O que elas têm em comum é que são duas grandes paixões do brasileiro e totalmente associadas a cerveja”, aponta Carolina, da Africa.
Apesar de os dois temas serem explorados prioritariamente na internet, o anunciante não faz distinção de canais e trabalha a comunicação de forma integrada, adaptando a mensagem ao meio. “Fizemos um esforço de transição para pensar comunicação usando a jornada do consumidor, como as pessoas consomem mídia”, garante Adamy.
As campanhas mais recentes são a prova dessa integração. Por exemplo, o filme “Daniela”, lançado em março, mostra a atuação da profissional responsável pelo controle de qualidade. Um vídeo feito especialmente para o digital mostra a verdadeira Daniela Kikuchi na sua rotina de trabalho. O segundo filme, “Ricardo”, é com o supervisor da área de brassagem (etapa da produção que mistura os ingredientes em altas temperaturas). Como no caso de Daniela, o Ricardo Bucco de verdade e seu trabalho são apresentados em detalhe na internet.
“O consumidor tem buscado saber mais sobre cerveja e, se tem algo que a Brahma sabe falar, é sobre isso”, argumenta Adamy. Afinal, é mais de um século de experiência no assunto. No ano passado, o 1280 aniversário foi celebrado com o lançamento de nove rótulos antigos que contam a história e mostram a evolução da marca. Este ano, a cerveja chega às prateleiras em nova embalagem, já se preparando para o marco dos 130 anos em 2018.
Três cases que causaram
A guerra ganha com um dedo só
O ano era 1994 e o Brasil entrava em campo para disputar a Copa do Mundo nos Estados Unidos. Sem cota de patrocínio para o evento, era preciso dar um jeito de aparecer. O que fez a Fischer América, então? Ora, o logotipo da “número 1” era basicamente um dedo indicador levantado.
Imagine só: a arena lotada, com a maioria da torcida usando a mesma camiseta verde e amarela, com o número um estampado no meio. E a concorrente Kaiser, que havia pago milhões pela cota de patrocínio da transmissão da Globo, relegada a aparecer apenas nos intervalos comerciais. A ação é lembrada até hoje como um case clássico de marketing de emboscada.
Amor de verão rima com confusão
A Fischer se meteu em outra polêmica envolvendo Brahma, mas desta vez sem um final feliz para a agência. Em 2004, atendia a conta da Nova Schin e conseguiu convencer Zeca Pagodinho, “brahmeiro” convicto, a assinar contrato com a concorrente. O bordão da campanha era “Experimenta!” e nada melhor que mostrar um fã de outra marca experimentando a Nova Schin.
A Africa, que atendia Brahma há pouco tempo, não demorou a contra-atacar: aliciou o cantor de volta e colocou no ar o filme “Amor de Verão”, no qual ninguém menos que Zeca Pagodinho aparecia cantando um sambinha (composto pelo próprio Nizan Guanaes e por Paulo César Bernardes) que dizia que “tudo não passou de um amor de verão” e que havia voltado para seu grande amor.
O comercial foi ao ar, como uma bomba, no intervalo do Jornal Nacional. Não deu outra: foi o maior quiproquó e o caso acabou indo parar na justiça. A Fischer ainda revidou, veiculando (também no break do JN) um filme no qual insinuava que o ex-garoto propaganda era “traíra”. O processo se arrastou pela justiça por dez anos, até que, no final, a Africa teve que pagar R$ 500 mil à Fischer por danos morais. Pagodinho, causador da confusão, permanece fiel à sua cerveja favorita.
Conar põe siris mal-educados de castigo
Em 2004, depois do episódio com Zeca Pagodinho, a Africa resolveu resgatar os siris mal-educados criados pela F/Nazca. Só que os tempos eram outros: a popularidade dos bichinhos havia levado o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) a incluir, nas regras sobre publicidade de bebida alcoólica, o veto ao uso de animais, bonecos com características humanas ou animações que atraíssem a atenção de crianças.
Mesmo sem mostrar o personagem principal, a Africa botou na rua uma campanha completa, com direito a filme, spots, adesivos, bandeiras, banners, caminhões com buzinas especiais que emitiam o som do bordão, material promocional, busdoor, mobiliário urbano, torpedos em celulares e até merchandising em programas de TV. Só faltou fazer “nãnãnã” para o Conar.