Se até a década de 1940, o sabonete era um artigo relacionado apenas à higiene pessoal, após o surgimento de Dove, durante a Segunda Guerra Mundial, ele passou a ser também um produto cosmético, com uma espuma cremosa e diferenciada. O sabonete Dove foi desenvolvido nos Estados Unidos e devido à sua suavidade era usado em hospitais para a higiene e tratamento dos ferimentos dos soldados. O nome e o ícone do novo produto – dove (pomba em inglês) –, o símbolo da paz, tinha tudo a ver com o momento pós-guerra que o mundo vivia. Em 1952, a empresa Lever Brothers, que viria a se tornar a Unilever, comprou a patente, que era francesa. A partir daí, a fórmula de Dove foi aperfeiçoada, tornando o sabonete um produto de beleza diferente dos outros oferecidos no mercado, uma vez que cuidava da pele com sua fórmula ¼ de creme hidratante e pH neutro.
A primeira campanha publicitária da marca, destacando o alto poder de hidratação, foi criada na segunda metade da década de 1950 por David Ogilvy, fundador da agência que leva seu nome e que até hoje é a responsável pela conta da marca. Na década seguinte vieram os comerciais com testemunhais de mulheres comuns mostrando a performance do produto. Nos anos 1970, uma ação de marketing direto incentivava o público feminino a comprovar o pH neutro de Dove, que impedia o ressecamento da pele e o diferenciava dos concorrentes.
Em 1989, a marca ultrapassou as fronteiras dos Estados Unidos alcançando inicialmente a Itália e, em seguida, a França, a Alemanha e a Áustria, também com a versão líquida do sabonete. Em 1992, o produto chegou ao Brasil, com distribuição mais restrita a São Paulo; em 1998 passou a ter distribuição nacional, e a partir de 2002 começou a ser fabricado no país. Com a produção em solo nacional, o preço ficou mais competitivo e novas categorias foram desbravadas: antitranspirantes, loções hidratantes, itens para cabelos. A distribuição em mais de 80 países e a diversificação da sua linha de produtos tornaram Dove uma marca de referência global, sempre com foco na beleza da mulher comum, na beleza real.
Segundo Luiz Fernando Musa, CEO da Ogilvy & Mather, a constância estratégica e a crença no desempenho do produto sempre foram os grandes pilares da Dove. “A questão do ¼ de creme hidratante, do PH neutro, da performance superior aos demais concorrentes e da diferença do produto na pele na vida real das pessoas têm sido a base da estratégia da marca desde seu início, e essa consistência na entrega e na comunicação é parte do DNA e da história dela”, diz Musa.
O publicitário destaca a preocupação da Unilever com a entrega, de que em cada categoria que Dove entra tem de ter benefício e performance de produto superior aos demais. “Durante muito tempo no Brasil fizemos o teste dos sete dias: ‘Use Dove por sete dias e conte para a gente a diferença’. A ideia dos testemunhais, de dar o produto para as mulheres usarem e depois gravar os depoimentos com o que elas sentiram na pele, são formatos clássicos que eternizaram a história da marca no mundo e que usamos bastante também no Brasil”, completa o CEO da Ogilvy.
Real beleza
Em 2004, houve a primeira grande onda de comunicação de Dove e o fortalecimento da marca, que ficou na lembrança afetiva das consumidoras com a “Campanha da real beleza”. A iniciativa global, que teve a participação do fotógrafo Ian Rankin, mostrava mulheres reais, em roupas íntimas, de uma maneira que normalmente não aparecia em anúncios de produtos de beleza. A propaganda surgiu a partir de uma pesquisa mundial de comportamento patrocinada pela marca, realizada em dez países com cerca de três mil mulheres, que mostrou que apenas 2% das pesquisadas se achavam bonitas; 75% definiam sua beleza como sendo mediana; 50% acreditavam que seu peso estava acima do ideal. No Brasil, 6% das entrevistadas se descreveram como bonitas – o mais alto percentual entre todos os países avaliados.
Com essas informações, a marca conquistou as consumidoras ao colocar mulheres reais para anunciar os produtos, incentivando a autoestima do público feminino. “Essa foi uma campanha bastante emblemática, que falou de uma maneira muito forte com as mulheres ao trazer um novo olhar sobre a beleza, deixando de lado estereótipos consagrados, opressores. Para a marca é muito importante fazer com que a beleza seja uma fonte de confiança e não de insegurança”, diz Eduardo Campanella, diretor de marketing de Dove. “Foi corajoso e mérito do cliente discutir a beleza a partir da ótica da mulher e fazê-la sentir-se sempre bonita”, acrescenta Musa.
Para Daniella Bianchi, diretora-executiva da Interbrand São Paulo, com o conceito da real beleza, a Dove conseguiu não só se distinguir na categoria, mas desenvolver um propósito de valor para a marca bastante claro, que vai além da entrega do benefício real do produto, dando fôlego para ela criar uma série de extensões. “Sob o guarda-chuva da real beleza, a marca foi muito bem-sucedida, entrando em categorias que originalmente não faziam parte do portfólio, como desodorantes, por exemplo. Foi um trabalho bem realizado e complexo, ainda mais em nível global”, afirma a executiva. Para a especialista, Dove é um caso de sucesso que, com sua forma direta e pragmática de se comunicar, ajuda na construção da própria marca Unilever.
Identidade visual
A consistência da marca também está associada à identidade visual de Dove, que ao longo de seus mais de 50 anos de existência passou por mudanças, mas nenhuma radical, mantendo a pomba como seu principal símbolo. “O sabonete vem na caixa por ter mais hidratante e por ser a única formulação que permite a hidratação com os nutrientes da pele. Assim, a embalagem foi sendo ajustada ao crescimento do portfólio, mas sempre para comunicar esses benefícios de maneira forte”, diz Campanella.
Em 2004, com o posicionamento de Dove como uma marca completa para a beleza real da mulher, as embalagens começaram a ter uma tipografia mais suave e a pomba, que ficava acima do nome da marca, passou a ser utilizada abaixo da palavra Dove. A linha Dove Men + Care segue as mesmas diretrizes da marca principal, com a cor cinza no lugar do tradicional tom azul. “A identidade visual e verbal de Dove é muito boa, a marca tem códigos claros, definidos, simples sem serem simplistas. Consistência gera reconhecimento, fidelidade, recompra e a inovação vem em forma de produtos, mas com os mesmos códigos, o que cria identificação e conversa com o tema real beleza”, diz Daniella Bianchi.
Conceito veio para ficar
Continuando o trabalho com foco no conceito da real beleza, em 2005 foi realizada a campanha “Verão sem vergonha”, com diversas mulheres comuns, de biquíni, na praia. Embalada por um jingle cantado por Fernanda Abreu, a propaganda estimulava o público feminino a tirar a canga e curtir o verão sem vergonha. “Foi uma campanha bastante forte que mostrava todas as categorias da marca dentro do verão trabalhando o conceito de que cada mulher tem a sua própria beleza”, comenta Campanella.
Em 2006, outra comunicação emblemática e uma das primeiras virais da história do marketing mundial foi a “Evolution”, que mostrava como ocorre a manipulação da imagem de uma modelo até a versão final da foto que seria exposta em um outdoor. A assinatura da campanha era: “não surpreende que a nossa percepção de beleza seja distorcida”. Na época, “Evolution” teve dois milhões de compartilhamentos.
Após pouco mais de seis anos do primeiro estudo sobre a real beleza, Dove voltou a campo em 2011 e realizou uma nova pesquisa em escala global: “A verdade sobre a beleza”. Foram ouvidas mais de seis mil mulheres, com idade entre 18 e 64 anos, de 20 países entre desenvolvidos e em desenvolvimento. O resultado mostrou que 80% delas enxergavam a beleza nas outras, concordando que todas têm algo que é belo, mas não conseguiam reconhecer sua própria beleza. “Vimos alguns avanços nesse estudo, mas ainda com uma pressão muito grande indicando que a autoestima e a autoconfiança precisam melhorar”, comenta Campanella.
A ação enviou uma mensagem para as mulheres incentivando-as a repensarem a forma como a beleza é exposta no mundo e perceber o quão bonitas já são. A campanha impactou três milhões de brasileiras em apenas quatro dias. No Brasil, a marca possui mais de 24 milhões de fãs, a maior fanpage da marca em todo o mundo, segundo Campanella.
As pesquisas realizadas pela marca mostraram que a brasileira é uma das que mais se esforçam e trabalham para se sentir bem com sua própria beleza. “O Brasil tem uma forte cultura de praia, de exposição do corpo, e a brasileira foi uma das mulheres no mundo que mais abraçou a campanha da real beleza. Embora Dove seja uma marca global, sempre trabalhamos para que as nossas campanhas tenham depoimentos e referências locais”, diz Campanella.
Também em 2012, Dove criou o Movement for Self-Esteem Fund (Fundação Dove de Autoestima), uma série de programas educacionais e atividades que incentiva, inspira e motiva meninas ao redor do mundo para fortalecer a autoestima de crianças e adolescentes. Até o momento, a marca já atingiu mais de 7 milhões de garotas, de 9 a 13 anos, com a iniciativa e estabeleceu uma meta global de atingir 15 milhões em 2015. “Esse é um trabalho sem exposição da marca, feito em parceria com vários institutos e psicólogos no mundo todo, para trabalhar uma fase em que as pessoas começam a construir sua percepção de beleza. O fundo tem o objetivo de levar esse debate sobre beleza para um olhar de conscientização de formação de cada indivíduo para melhorar a autoestima”, diz Campanella. No Brasil esses programas são feitos em parceria com as Bandeirantes, que têm mais de 10 mil membros no país.
O ano de 2013 foi outro grande marco na história de Dove com a criação, pela Ogilvy Brasil, da campanha mais premiada da história da publicidade em Cannes (vide box), “Retratos da real beleza”, um minidocumentário com a participação de um artista forense do FBI. A ação teve o meio digital como seu pilar principal e, em duas semanas, foram registrados mais de 20 milhões de compartilhamentos. Para o diretor de marketing, a viralização é o endosso de que a causa faz sentido e que vale a pena continuar trabalhando para que cada mulher possa se sentir bem dentro do seu potencial de beleza.
No ano passado, com base no estudo orientado pela Dra. Ann Kearney-Cooke, psicóloga com mais de 30 anos em pesquisas sobre autoestima feminina e imagem corporal, foi lançada a “Dove adesivos” mostrando que toda mulher tem o poder dentro de si para se sentir bonita, confiante e radiante. A Dra. Ann convidou mulheres moradoras de Los Angeles (EUA) a utilizar um “adesivo da beleza” por duas semanas – a peça iria ajudar para que se sentissem mais bonitas. Todos os dias, elas tinham que gravar um depoimento para dizer como o “adesivo da beleza” estava mudando suas vidas. Ao final da experiência, a Dra. Ann revelou às mulheres que, na verdade, o “adesivo da beleza” não continha nenhum ingrediente ativo e que acreditar que elas são bonitas é o que, de fato, influencia para se sentirem belas.
Outra ação de 2014 foi o curta-metragem “Espelhos”, no qual a marca convidava as mulheres a recuperar o entusiasmo de ver a sua imagem refletida. De acordo com uma pesquisa internacional de Dove, uma em cada três mulheres se sente ansiosa e quase nunca sorri para si mesma ao olhar para o espelho e ver sua imagem refletida. O filme mostrava a reação das mulheres quando viam seus próprios reflexos, em contraste com as de meninas mais jovens quando se enxergam. No vídeo, as mulheres não gostavam de ver as próprias imagens, enquanto as meninas mais jovens adoravam se olhar. Dove encorajava o público a sorrir ao se olharem no espelho.
O destaque deste ano é a campanha global “Escolha bonita”. Gravado em cinco países, o filme registrou mulheres avaliando sua própria beleza. Elas escolheram a forma como viam a si mesmas: aparência “comum” versus a frequentemente evitada aparência “bonita”. O vídeo revelou que público feminino muitas vezes não reconhece sua própria beleza. A mensagem da campanha é alertar mulheres em todo o mundo a reconsiderar as escolhas sobre a própria beleza e como isso as faz sentir.
Desenvolver uma campanha para culturas diferentes tem muitos desafios, segundo o CEO da Ogilvy. “Ao falar de beleza real, respeitamos os padrões de cada país, mas o fato de a mulher não se sentir bem com o próprio corpo, se considerar menos bonita do que realmente aparenta, é uma questão global. Trabalhar no universo real e não no do estereótipo, ou da celebridade ou da fantasia, e sim com pessoas de verdade: esse é o coração da marca Dove”, finaliza Luiz Fernando Musa.
Retratos de uma campanha vitoriosa
Reconhecida como um dos maiores sucessos da propaganda mundial, a campanha criada em 2013, pela agência de publicidade Ogilvy Brasil – “Dove Retratos da real beleza” – mostrou que as mulheres são muito críticas quando se trata de reconhecer a própria beleza, o que já havia sido constatado em uma pesquisa realizada pela marca em 2011, na qual apenas 4% das mulheres se consideravam bonitas, embora fossem capazes de elogiar outras mulheres.
E para provar que elas são mais belas do que acreditam, o retratista forense do FBI, Gil Zamora, realizou dois retratos falados de mulheres de diferentes idades e tipos físicos. O primeiro foi elaborado a partir das descrições das próprias retratadas e o segundo a partir das descrições de outras pessoas. O resultado mostrou que as mulheres se achavam menos bonitas do que as outras pessoas as consideravam.
O mini documentário mostrando a experiência foi filmado em São Francisco, nos Estados Unidos, e teve uma enorme repercussão, tornando-se um dos filmes publicitários mais assistidos de todos os tempos na internet. “É o vídeo mais viralizado no mundo até hoje, com mais de 170 milhões de visualizações, figurando no TOP 5 de anúncios do Youtube nos últimos dez anos”, diz Eduardo Campanella, diretor de marketing de Dove.
A campanha também fez muito sucesso no Festival Internacional de Criatividade de Cannes de 2013, ganhando 15 leões, incluindo o Grand Prix de Titanium. “Foi a primeira vez na história da Ogilvy no mundo que nós fomos agência no ano em Cannes”, diz Fernando Musa, CEO da Ogilvy & Mather, acrescentando que tem orgulho de ter feito parte de alguma forma da vitória dessa marca. “Continuamos honrando essa história com Dove, que foi muito emblemática para o David Ogilvy – criador da agência que leva seu nome e das primeiras campanhas da marca”, pontua Musa.