A trilha sonora, o laranja, os momentos triviais com outro olhar, uma ou duas credenciais ditas por uma voz familiar – “banco de maior solidez financeira”, “marca mais valiosa do país” – e o fechamento ousado, que não revela o anunciante: “Não precisa nem dizer. Você sabe muito bem qual é o banco feito pra você”. Verdade, o espectador sabe – são as pesquisas que dizem. O filme “Inconfundível”, de 2007, feito da Africa, foi a coroação de um trabalho bem-pensado, bem-estruturado, bem-executado. Construção de marca. Muitas empresas sonham com isso, algumas dão início à obra, poucas fazem o acabamento, menos ainda consideram a manutenção. O Itaú chegou lá: é sucesso na arquitetura, no design, e vive renovando o projeto sem comprometer a harmonia.
O Itaú, cujo nome significa pedra preta em tupi-guarani, é maior banco particular da América Latina, com 62 milhões de clientes em 18 países e lucro líquido na casa dos R$ 20 bilhões. Os números impõem respeito, mas a admiração é resultado de algo maior, que vai muito além de produtos e serviços. O Itaú transcendeu os limites de racionalidade impostos pelo mercado financeiro e se infiltrou no dia a dia do brasileiro. Virou sinônimo de modernidade, ícone de tecnologia, referência em responsabilidade social. Apesar de ter forte presença no digital, é uma marca do mundo real com participação em áreas ligadas à educação, à cultura, à mobilidade urbana, ao esporte. São 90 anos de história, 40 deles de propaganda. O Itaú – que tem sua conta dividida em três agências de peso: DPZ&T, DM9DDB e Africa – é a marca nacional mais valorizada que existe.
Pelo 11º ano consecutivo, o maior banco privado da América Latina desfila no topo do ranking das marcas brasileiras mais valiosas: R$ 21,68 bilhões, segundo a edição de 2014 do estudo realizado pela consultoria Interbrand São Paulo. A empresa é a primeira colocada na lista desde que o levantamento foi iniciado, em 2001. A análise leva em conta três critérios: Lucro Econômico (ganhos econômicos do negócio), Papel de Marca (relação com o entendimento do comportamento de compra do consumidor) e Força de Marca (capacidade que a marca tem de criar lealdade e continuar gerando demanda no futuro). Aliás, a primeira campanha da história do banco, de 1971, foi criada pela DPZ&T e apresentava o filme “Bandeiras”, que pedia ajuda dos brasileiros para transformar o Itaú no maior banco do Brasil. Parece que seu certo.
Marca como ativo estratégico. Está aí uma das explicações para os bons resultados. “Desde o princípio, tratamos a marca como valor, como ativo estratégico, e nunca como projeto de marketing”, sustenta Eduardo Tracanella, superintendente de marketing da instituição. Mas esse driver de nascença – como pontua o executivo – não seria o bastante, se não fosse por uma palavra: consistência.
Em todas as campanhas do Itaú, é possível identificar a espinha dorsal, o fio condutor: conceito, crenças, propósito, posicionamento. “Ao longo do tempo – e já são 40 anos de propaganda e 90 de banco (a história do Unibanco começa em 1924, enquanto que a do Itaú tem início em 1944) –, houve muitas mudanças, claro. Foram movimentos naturais decorrentes do processo de evolução necessário, mas sempre entendemos que nossa trajetória deveria ser marcada pela coerência”, argumenta Tracanella. Por 19 anos, vigorou o tradicional logotipo monocromático criado por Francesc Petit, da DPZ&T. Só em 1992, vieram as cores azul para a pastilha e amarela para as letras. Nos anos seguintes, a logomarca passou por atualizações, chegando ao formato atual. Já a incorporação do laranja à identidade visual do banco é uma dessas histórias que acabam virando lenda nos bastidores da propaganda. Nos anos de 1980, em mais uma reunião cliente-agência, Petit falou sobre a necessidade de fazer com que as fachadas sobressaíssem na paisagem urbana. Num lampejo de criatividade, usou sua caneta marca-texto laranja e pintou a marca Itaú.
As agências e os atributos
A relação com a DPZ&T é “quase umbilical”, como classifica Rafael Urenha, chief creative officer da agência. “Tudo começou com a proximidade entre Petit e a família Setubal. O fato é que as histórias das empresas se misturam”, comenta. “Juntos, Itaú e DPZ&T formataram um jeito único de falar de banco. Apesar do segmento marcado pela racionalidade, não tem frieza. Pelo contrário: é uma comunicação humana, próxima, leve, bem-humorada – e isso tem a ver com a personalidade do povo brasileiro”, continua Urenha.
Nesse trabalho de construção de marca, o Itaú conta, há tempos, com outras duas agências. Foi cliente fundador da DM9DDB, em 1989, e mais tarde, da Africa, de Nizan Guanaes, em 2002. “Sabemos exatamente o que o Itaú quer fazer e aonde quer chegar. Sua linha de atuação estratégica, com visão de longo prazo, é clara. O marketing é muito bem estruturado e baseia suas decisões em pesquisas; não há nada empírico”, afirma Paulo Cesar Queiroz, copresidente da DM9DDB. “Já foram produzidas grandes campanhas para o Itaú, e o sucesso está na consistência – de mensagem, de posicionamento. Se não fosse por isso, haveria um bombardeio de informações e, o pior, a criação de uma marca esquizofrênica”, acrescenta Marcio Santoro, copresidente da Africa.
André Matias, diretor de estratégia e avaliação de marca da consultoria Interbrand, ratifica: consistência é o fator externo mais importante na avaliação de uma marca; os outros são autenticidade, relevância, diferenciação, presença e entendimento. “Quanto aos fatores internos, destacaríamos clareza, seguida de comprometimento, proteção e capacidade de resposta”, informa. De um jeito ou de outro, o Itaú brilha.
Moderno, tecnológico, inovador, próximo, atento, socialmente responsável. Esses são alguns atributos da marca Itaú que a propaganda construiu ou reforçou. “Acreditamos que 30% dos atributos sejam construídos pela comunicação e 70% por meio da experiência gerada com o cliente”, declara o superintendente de marketing do Itaú. Percentuais à parte, Beto Almeida, diretor executivo da Interbrand, concorda. “A propaganda atinge milhões de pessoas, mas só funciona se há entrega”, afirma, lembrando que ela é um ponto de contato com consumidores e que a somatória de vários deles cria a noção de marca.
Modernidade, tecnologia e inovação
Modernidade é atributo que inspirou e permeou muitas peças do banco, a começar por “Rodolfo e Anita” (o primeiro casal da propaganda brasileira), de 1973, produzido pela DPZ&T para anunciar o Itaúcheck, avô do caixa eletrônico. Em 1994, “Secretária”, também da DPZ&T, lançou mão do humor para apresentar o Itaú Bankfone Empresa. No ano 2007, a música “Pela internet”, de Gilberto Gil, ganhou nova roupagem pela DPZ&T para divulgar o Itaú Bankline. E mais recentemente, em 2013, foi foco de propaganda da DM9DDB o Itaú Tokpag, aplicativo para transferência de dinheiro.
Nesse contexto, a tecnologia se mistura e cria diversas possibilidades. “Pixel”, de 1988, da DPZ&T, foi divisor de águas: os diferenciais do banco apresentados numa interface de Atari. Já no boom da internet, surgiu um ícone combinado a um gestual que transformaria para sempre a comunicação do Itaú: o “i digital”, uma sacada de Sérgio Valente, pela DM9DDB. Os filmes “Símbolo” e “Rudi”, 1999-2000, introduziram a novidade. “A filosofia do banco foi sintetizada da maneira mais criativa e próxima possível: ser tecnológico sem abandonar o lado humano”, diz Queiroz, copresidente da DM9DDB. A campanha foi a de maior impacto na última década no setor financeiro, a ponto de mudar paradigmas na forma de trabalhar o conceito de tecnologia bancária, e, com ela, o Itaú venceu o Top of Mind em internet banking. Desde então, o ícone e o gestual aparecem em várias peças, tornando-se um ativo tão valioso quanto a própria marca dentro da pastilha azul.
Ainda no campo da tecnologia e do digital, os emojis (aqueles pictogramas que deixam os chats mais coloridos e animados), muito deles – até o Luciano Huck, garoto-propaganda do Itaucard virou um –, saltaram dos teclados para informar e divertir nas comunicações do Itaú. A campanha criada pela Africa – ideia de Nizan Guanaes – e veiculada este ano ratificou o previsto lá trás: não existe on e off; é tudo vida que acontece.
No que se refere à inovação, outros dois filmes são destaques: “Lua”, de 1995, criado pela DPZ&T, em que dois amigos divagam sobre a vida na Lua, e “Milênio”, de 1999, também da DPZ&T, que antecipa conquistas e realizações do homem ao longo dos próximos mil anos. “’Milênio’ é emblemático, porque tem foco na tecnologia, inovação, mas não deixa de falar das relações humanas”, opina Rafael Urenha.
Proximidade e atenção
Mais do que se colocar à disposição do consumidor, o Itaú tem como propósito estabelecer e, mais, manter uma relação de proximidade com ele: uma instituição que entende suas necessidades, que sabe de suas preocupações e que pode ajudar. O filme “Terreno vazio”, de 1980, da DPZ&T, parte da campanha “Pode entrar que a casa é sua”, abordou o tema financiamento de compra ou construção do imóvel do sonho. O comercial “Avião”, de 1989, da mesma agência, ao mostrar a aterrissagem de um avião para que seu piloto pudesse fazer uma transação bancária no caixa eletrônico à margem da pista, trabalhou o slogan “O Itaú está onde você precisa”. Já o “Jaime”, de 1991, com assinatura da DM9DDB, estrelado por Jô Soares (uma das raras vezes em que a marca optou pelo endosso de uma celebridade), tratou do seguro de vida de um jeito bem-humorado. Em contrapartida, o “Completamente louco”, de 1992, da DM9DDB, refletiu, em tom emocional, acerca da necessidade de investir em seguro após a chegada de um filho.
O que era claro ficou cristalino em 2003-2004, com a campanha da Africa “Feito pra você” – que não demoraria a virar o principal slogan da marca Itaú. Foram produzidas diversas peças de mídia exterior (ênfase em outdoor), com mensagens e formatos individualizados, para atingir diferentes públicos: “meninos do Rio”, “guris e gurias” (como se fala no Sul), “Meu rei” (para os baianos), “baladeiros”, “surfistas” (o outdoor tinha formato de uma prancha de surfe), “sonhadores” (outdoor no formato de um travesseiro), entre outros.
Ainda no que diz respeito ao atributo proximidade, vale resgatar as campanhas ligadas ao futebol, sempre com forte apelo emocional. O filme “Torcer”, de 2006, da DPZ&T, fala do desejo do Itaú de ver a Seleção Brasileira se tornar hexacampeã da Copa do Mundo e de ele próprio também conquistar a sexta estrela: a pessoa que não é cliente do banco. Outro bom exemplo de impacto positivo junto ao público é o vídeo “Mostra tua força, Brasil”, de 2014, da Africa. A canção composta por Jair Oliveira, com direção de Simoninha e interpretação de Paulo Miklos e Fernanda Takai, virou hit no YouTube, com 18 milhões de visualizações, e garantiu o título de hino não-oficial do último Mundial.
Responsabilidade social
No segmento financeiro, estereotipado por lucros exorbitantes por parte da organização em contraste a tarifas, taxas e juros altos cobrados do cliente, o Itaú transpôs barreiras e soube construir uma imagem de banco socialmente responsável. A plataforma “O mundo muda, o Itaú muda com você”, de 2010, e sua evolução para um conceito maior, traduzido na hashtag “#issomudaomundo”, de 2013, da Africa, mostram que a marca vai além da publicidade, ao propor escolhas melhores e fomentar mudanças de comportamento: optar pela bicicleta como meio de transporte, ler para uma criança, ir ao cinema. “Somos uma marca guiada por um propósito. Transformar a vida das pessoas para melhor é o que rege nossa atuação como banco e como marca”, diz Eduardo Tracanella.
Nessa esteira, vieram vários filmes de TV, sempre combinados com anúncios para rádio, impresso e on-line, como o “Sem papel”, de 2012, da DM9DDB, sobre economia de papel, em que o bebê cai na gargalhada toda vez em que a folha é rasgada (no canal do Itaú no YouTube são quase 16 milhões de visualizações), muitos da série “Leia para uma criança”, de 2014, da DPZ&T, e outros tantos sobre uso consciente do dinheiro, de 2014, da Africa. Ainda sobre educação financeira, o Itaú já abordava o tema delicado por natureza em 2011, com a campanha “Crédito consciente”, assinada pela DM9DDB. Vídeos tutoriais em formato lúdico misturavam animação e atuação de um ator real, o humorista Marco Luque.
Aqui, lá e no futuro
Além da consolidação em território nacional, a marca Itaú vem ganhando força no exterior. Ativa desde 2011, a campanha “I’m a global latin american bank”, da Africa, visa posicionar o banco como referência latino-americana para o mundo. “Em geral, as peças são veiculadas em publicações voltadas ao mercado financeiro, como Financial Times, The Wall Street e The Economist”, informa Santoro. Além disso, a marca recentemente unificou a comunicação nos países da América Latina onde o banco atua.
Aqui ou lá, quando se fala em construção de marca, as mídias tradicionais são fundamentais, mas não autossuficientes. Como resume o superintendente de marketing do Itaú, o momento é de convergência e não de ruptura. “Todas as mídias têm que ser ‘sociais’. Se um comercial não vira conversa, se as pessoas não têm vontade de comentar, de compartilhar, ele não teve sucesso.” E completa: “Cada vez mais nos apoiamos na criatividade para atrair, seduzir, inspirar, divertir, gerar diferenciação. As marcas querem conquistar espaço na mente e no coração das pessoas, mas concorrem com chat do WhatsApp, com timeline do Facebook”, afirma o executivo. Um bom exemplo de ação capaz de integrar o “tradicional” com o virtual se deu com o filme “Bailarina”, de 2015, da DM9DDB, sobre seguros: durante o comercial, os espectadores eram convidados a acessar um site especial na Globo.com e escrever bilhetinhos para seus filhos. Participaram mais de 10 mil pessoas e foram feitos 30 filmes customizados – todos exibidos na Rede Globo, nos intervalos de programas escolhidos pelos próprios consumidores. “É a fotografia dos nossos tempos”, resume Queiroz.
Para Marcio Santoro, da Africa, o consumidor nunca teve tanta relevância na comunicação. “Se antes o Itaú falava mais dele, sobre seus diferenciais, agora é o cliente o grande protagonista”, atesta. “E as pessoas consomem informação de outro jeito”, lembra Rafael Urenha, da DPZ&T. “O mundo digital, com ênfase no mobile, está transformando a vida das pessoas sob muitos aspectos. As marcas devem estar atentas a esse cenário; o desafio é levar assuntos relevantes e fazer parte dessa conversa. E o Itaú é pioneiro nisso”, acredita. “De fato, o Itaú marca presença no digital, mas é do mundo real. Está nas bikes, nos livros, na arte, no futebol, no Rock in Rio”, arremata Paulo Cesar Queiroz, da DM9DDB. Ou seja, faz parte da vida dos brasileiros muito além do tema dinheiro.
Entre o preto e o laranja
Na década de 1970, as agências Itaú exibiam letreiro preto. A explicação estava logo ali, no tupi-guarani: Itaú, na língua nativa, quer dizer pedra preta. Fazia sentido, mas faltava cor. Nos anos de 1980, o laranja deu vida às fachadas e possibilitou que a marca, enfim, sobressaísse na paisagem urbana, criando percepção de rede. Nova reviravolta em 1992, quando vieram para ficar as cores azul, para o fundo, e amarela, para as letras. O porquê: modernização. Assim, a marca Itaú se tornou, de fato, luminosa. O laranja não demorou a conquistar o público: passou a ser percebido como a cor do Itaú. Foi, então, incorporado às comunicações e firmou-se como importante código de marca.