Você sabe quem produz a injeção eletrônica que equipa o seu carro? E a marca do processador que está no seu celular? São coisas que a maioria de nós nem imagina, por não estarem à vista e só se fazerem notar se dão algum problema. É de se tirar o chapéu, portanto, para uma marca que, apesar de ter seus produtos embutidos nas paredes e ainda por cima visar um target restrito, consegue ser lembrada pelo público em geral. Fabricante de itens nada glamorosos (tubos e conexões de PVC), a Tigre se tornou reconhecida e admirada graças, principalmente, à propaganda.
Líder em seu setor na América do Sul, a empresa investe cerca de 3% do faturamento anual em marketing (foram R$ 15 milhões em compra de mídia em 2016, segundo o ranking Agências & Anunciantes). Em tempos de vacas gordas ou magras, nunca deixa de anunciar — veicula pelo menos uma campanha em mídia de massa por ano, todos os anos. São campanhas populares, bem-humoradas e que ajudaram a marca a integrar a lista das 60 mais valiosas do Brasil. Na pesquisa BrandZ, da Kantar, ela ocupa o 43o lugar, avaliada em US$ 249 milhões.
Além da qualidade dos produtos e do investimento regular e constante em treinamento de profissionais ligados ao ramo da construção, a Tigre é reconhecida por sua capacidade de inovação e pelo relacionamento com diversos públicos (instaladores, arquitetos, vendedores, consumidor final). Mas foi a publicidade o principal fator a dar visibilidade à marca fora do seu nicho de mercado.
“A Tigre teve o trabalho de construir a categoria, de ensinar as pessoas a comprar o produto pela marca e inspirar confiança”, resume a gerente de marca e mídia, Gisele Medeiros. De fato, nos anos 50 o Brasil ainda estava na era dos tubos de ferro. Quando o fundador da empresa, João Hansen Jr., trouxe dos Estados Unidos o produto feito em PVC, ninguém por aqui conhecia esse material. Para divulgar a nova tecnologia e convencer as pessoas a experimentá-la, era preciso investir em comunicação e treinamento.
Foi uma aposta ousada, se considerarmos que o produto é do tipo que normalmente se destaca mais pelas características técnicas e funcionais. A grande sacada da Tigre foi mostrar ao consumidor que o valor gasto em tubos e conexões é pequeno em relação ao total da obra. Mas, se for preciso fazer um conserto na tubulação, além do custo, vai dar uma bela dor de cabeça. “Eles foram muito perspicazes ao investir no intangível da marca prevendo que isso seria um diferencial competitivo forte — um atestado de que quem compra Tigre faz uma compra inteligente, dá valor ao seu dinheiro e não vai ter problemas futuros”, analisa o chairman da Talent Marcel, José Francisco Eustachio.
Não fuja do mico
Para Eustachio, mesmo sem grandes campanhas publicitárias a Tigre seria bem-sucedida, mas apenas junto ao grupo diretamente relacionado ao uso de seus produtos. “A propaganda levou a marca a transcender o segmento de material de construção, fez com que ela ganhasse o status de estar na boca das pessoas, mesmo de quem não faz obra”, acredita. Parte considerável do crédito pelo sucesso da comunicação da Tigre é da Talent, que atende o cliente há 18 anos.
Nos primeiros tempos, a empresa trabalhava com a house Núcleo Sul Publicidade, em Joinville (onde fica a sede da Tigre). Já a partir do fim dos anos 50, começavam a ser veiculados anúncios em rádio, jornal e TV. Os mais velhos talvez se lembrem das campanhas dos anos 1970 e 1980, estreladas por personagens como Zeca Diabo, Ted Tigre e Joana D’Água.
O grande sucesso veio mesmo com o “mico da Tigre”, primeiro trabalho da Talent para o cliente, no início dos anos 2000. A expressão “fiquei com o mico” ou “micou” (no sentido de ter um problema nas mãos) estava em desuso e a agência resolveu se apropriar dela. O slogan “Fuja do mico. Use Tigre” se tornou um dos mais lembrados da publicidade brasileira.
Nos três primeiros filmes, um mico aparece pulando do ombro de uma pessoa para outra que não está usando os produtos da marca. As imagens do macaquinho foram gravadas em Hollywood, digitalizadas e inseridas nas cenas com os atores. Curiosidade: o animal era o mesmo que apareceu na primeira temporada do seriado Friends, como bicho de estimação do personagem Ross.
Ao longo de oito anos, a tônica dos comerciais do mico foi mostrar os problemas provocados por instalações malfeitas e com produtos de baixa categoria, sempre com muito humor, como era característico da marca. “Eles já tinham um histórico de investir em comunicação. Nós agregamos ao manter a coerência e a essência da marca, de segurança, de compra sem risco. A mensagem continua a mesma, mas a cada temporada ela se renova”, explica Eustachio.
Em vez de usar o jargão técnico, as campanhas adotam uma linguagem divertida, pegando situações reais e transformando-as em caricaturas, tornando a comunicação mais simpática e próxima do público. “Ela consegue se manter interessante, atual, entretendo as pessoas mas sempre fiel a sua proposta de valor. Isso dificulta muito a vida dos concorrentes”, diz o chairman da Talent Marcel.
Riso garantido
As campanhas do mico ficaram no ar por oito anos, com enorme recall. Gisele Medeiros reconhece que foi difícil trocar, mas a empresa queria que o mico saísse no auge. Havia também a expectativa: acostumado à irreverência da propaganda de Tigre, o público aguardava o que viria a seguir. Ao extrapolar seu nicho de mercado, ela se transformou numa marca pop, patamar que poucas alcançam. Ainda mais num segmento que não costuma fazer parte da rotina da maioria dos consumidores.
Em 2009 e 2010, o mote era “Quem não faz com Tigre, dança”. Escrachados, os comerciais mostravam que quem não usa os produtos da marca acaba se dando mal, ou “dançando”. Com trilha sonora em diferentes ritmos, os filmes traziam personagens fazendo a dança do vazamento, do conduíte, da gordura e do entope desentope.
A partir de 2011 foi adotado o conceito “Quem usa Tigre é autoridade no assunto”, dando destaque aos profissionais do ramo. Um filme desta fase que ficou marcado é o “Recanto do Guerreiro”: enquanto o marido sonha com os espaços da casa que está em construção, a esposa dá as instruções que devem ser seguidas pelo mestre de obra. O desejado recanto do guerreiro, para ele, seria na verdade o “quarto da mamãe”, segundo ela. O comercial fez tanto sucesso que muita gente postou nas redes sociais da Tigre fotos de seus próprios “recantos”.
Dessa série, outro muito lembrado é “Seu Jairo” (de 2012), o chefe que ressuscita ao descobrir que não estão usando Tigre na obra que ele comandava. Em 2014, “Reunião de Condomínio” ganhou o prêmio Profissionais do Ano. O comercial mostrava uma verdadeira guerra entre os condôminos, que só concordavam quando o tema era trocar a caixa d’água por uma da Tigre.
“É Tigre pra toda obra” entra em cena em 2015. Na primeira temporada, pessoas eram convidadas a experimentar outras marcas, mas respondiam sempre com um divertido não. Na temporada seguinte veio outro Profissionais do Ano, com “Palavrões Fofinhos”, no qual expressões chulas são substituídas por outras como “filhote de panda” e salameminguê”. O público entrou na onda e inventou uma série de novos termos, também postados nas redes sociais.
Novas categorias
O conceito “Tô com obra”, usado este ano, surgiu de uma situação real. Um profissional que deveria participar de uma reunião entre as equipes da Talent e da Tigre não compareceu e alguém explicou: ele estava com obra em casa. Todos entenderam, se identificaram e saiu daí mais uma campanha cheia de humor, que entrou no ar em março.
A comunicação segue o posicionamento “Tigre pra toda obra”, que busca divulgar a atuação da empresa em outros segmentos, como acessórios e metais sanitários, equipamentos para pintura, janelas e esquadrias. “A Tigre passou a ser reconhecida como marca de material de construção de forma geral, segundo as pesquisas. A marca tem recall em categorias nas quais nem está presente”, aponta Gisele.
Além da Talent, a empresa conta com a HouseCricket, de Curitiba, que cuida da criação dos conteúdos e do monitoramento das redes sociais; a Quadra, que produz os materiais para ponto de venda; e a Mirum, responsável pela parte tecnológica dos canais digitais, aplicativos, SEO e mídia de performance. “Nos últimos dois anos tem sido expressivo o investimento em digital. Estamos aprendendo a lidar com esse meio”, conta Gisele. Para quem já apostava em novas tecnologias 60 anos atrás, isso é só o começo.
Do merchandising na barca ao aplicativo no celular
Para marcar a passagem do seu 75º aniversário, no ano passado, a Tigre investiu numa série de ações, como o livro Construindo o Futuro, que conta a história da empresa (um trabalho de pesquisa do escritor e jornalista Ignácio de Loyola Brandão) e um projeto de conteúdo em parceria com o Discovery Channel. Foram ao todo dez filmetes, sendo dois institucionais e oito sobre temas diversos, como cuidados com o esgoto, poluição sonora e dengue.
É difícil falar da comunicação da Tigre sem contar a história da empresa, já que seu grande trunfo é a consistência da mensagem, além do formato lúdico, que conquistou várias gerações de brasileiros. Nos anos 1940, o negócio principal era a fabricação de pentes, cachimbos e leques femininos em plástico. Em 1958, o fundador da companhia, João Hansen Jr. foi visitar a Feira do Plástico de Hanover, na Alemanha, e voltou com a ideia de usar um novo tipo de material, o PVC rígido, na produção de tubos e conexões.
Era uma maluquice para a época concorrer com a tradição de tubos de cobre, ferro ou ferro galvanizado, tidos como resistentes e duradouros. O plástico era visto como algo de segunda categoria, utilizado por quem não tinha como pagar por materiais mais nobres.
Mas metal é corrosível, plástico não. E foi nessa tecla que a Tigre começou a bater, com ações tão ousadas quanto o novo produto. Por exemplo, na balsa que fazia a travessia de Santos ao Guarujá, no litoral paulista, os viajantes recebiam um pedaço de tubo de PVC e eram desafiados: já que você vai para a praia, tente enferrujar esse tubo. As pessoas se surpreendiam com aquele gesto inusitado e o boca a boca era inevitável.
Para os profissionais do ramo foram criados o Manual Técnico Tigre e os cursos de treinamento e aperfeiçoamento — tudo de graça. Campanhas em jornais, rádio e televisão anunciavam a novidade. “Fazer publicidade de um produto que fica escondido atrás da parede foi revolucionário. Os anúncios eram feitos em programas de massa, como o do Chacrinha”, conta a gerente de marca e mídia da Tigre, Gisele Medeiros.
Como primeira empresa do segmento a investir em comunicação, a Tigre começou de forma bem educativa, mas desde o início adotou um posicionamento mais elaborado, enfatizando a qualidade dos produtos e que não valia a pena arriscar.
Um dos primeiros slogans foi “Tem que ser Tigre”. Nos anos 1970, figuras conhecidas da TV protagonizaram comerciais da marca, como Zeca Diabo (justiceiro interpretado pelo ator Lima Duarte, na novela O Bem Amado) e Alberto Roberto, personagem de Chico Anísio, entre outros.
Em meados dos anos 1980 surgiram o detetive Ted Tigre e sua assistente Joana d’Agua, que investigavam obras para ver se elas tinham a “marca das três patas”. Nos anos 1990, as campanhas reforçavam a qualidade e a durabilidade dos produtos com o mote “Quem faz com Tigre, faz para sempre”. No ano 2000 surgiu o mico. O resto é história.
Uber da construção
A entrada da companhia em outros segmentos de mercado levou-a a adotar um posicionamento mais abrangente, abordando obras de maneira geral. Por muito tempo a marca esteve ligada ao futebol, para atingir o público masculino. Este ano o objetivo é falar com as famílias, com ênfase na TV por assinatura, rádio e, em algumas praças, mídia out-of-home. Um ponto forte é o merchandising no PDV e a relação com os revendedores, oferecendo material de exposição, treinamento e cursos de qualificação para profissionais.
A aposta, agora, é no meio digital. Como parte das comemorações dos 75 anos, foi lançado o aplicativo Para Toda Obra, uma espécie de Uber de prestadores de serviço como encanadores, pintores, eletricistas. “Fizemos pesquisas e descobrimos que as pessoas acham difícil encontrar bons profissionais. Vai muito da recomendação de um conhecido. Então, por que não indicar os que fizeram cursos com a Tigre?”, conta Gisele. O aplicativo tem ainda tutoriais e dicas de faça você mesmo.
Além disso, o portal foi renovado, dentro do espírito “Uma só Tigre”, e agora agrega todas as empresas do grupo. É um ambiente para arquitetos, engenheiros, compradores e profissionais de obra que apresenta os produtos e soluções da empresa, mas também simuladores e fichas técnicas, entre outros recursos.
Um Tigre com vários filhotes
Presente em 40 países, a Tigre é mais conhecida por sua operação em tubos e conexões, mas atua também nos segmentos de ferramentas para pintura, portas e janelas e tratamento de água. São mais de 6,5 mil funcionários no grupo, composto pelas seguintes empresas:
• Tigre – Líder na América do Sul na fabricação e distribuição de tubos, conexões e acessórios em PVC, com mais de 15 mil variedades de produtos
• Claris – Fabricante de portas, janelas e esquadrias de PVC para arquitetura comercial e residencial
• Tigre Ferramentas para Pintura – Maior fabricante de escovas da América Latina, com mais de mil produtos para os segmentos imobiliário, artísticos e educativo
• ADS – joint venture com a norte-americana Advanced Drainage Systems, maior fabricante mundial de tubulações de PEAD para saneamento e drenagem
• Tigre Soluções para Água e Efluentes – empresa de tratamento de água e efluentes, fruto da compra do controle da startup BRWS*
• Fabrimar – Fabricante de metais sanitários*
*As aquisições da BRWS e da Fabrimar foram anunciadas em 2017